por Elke Oliveira e Paulo Gentil
Quem nunca ouviu falar que, para emagrecer, devemos nos exercitar em baixa intensidade e ficar, no mínimo, 30 minutos contínuos fazendo exercício na famosa zona de queima de gorduras? Essa prática ficou tão popular que muitas pessoas se tornaram paranóicas no controle dos batimentos do coração, tanto que o uso de monitores cardíacos e os gráficos que correlacionam intensidade com a idade viraram febre nas academias.
O modelo metabólico de emagrecimento é uma estratégia comumente usada na prescrição de exercícios para perda de gordura corporal. Fundamentado no princípio que atividades de baixa intensidade e longa duração utilizam os lipídios como fonte prioritária de energia (HOLLOSZY & COYLE, 1984; MCARDLE et al., 1991 e BROOKS & MERCIER, 1994), vários pesquisadores promoveram o exercício aeróbio como à maneira mais eficiente para emagrecer (WILMORE & COSTILL, 2001).
A literatura mostra que a via energética predominante durante o exercício depende da intensidade e duração da atividade, podendo ser predominantemente glicolítica ou lipídica (POWERS & HOWLEY, 2000). Segundo Saudek & Felig (1976), conforme o exercício se prolonga os carboidratos vão sendo degradados ocasionando um aumento gradual na mobilização de gordura como combustível, podendo suprir cerca de 80% da energia total requerida (MAUGHAN, et al 2000; WILMORE & COSTILL, 2001). Durante a prática de exercícios a 25% VO2 máximo pode ocorrer um aumento de até cinco vezes nos níveis de ácidos graxos livres no plasma, comparado aos de repouso (KLEIN et al., 1996). Outro estudo propõe que até 30% do VO2 máximo, praticamente todo ATP ressintetizado advém do metabolismo lipídico e a partir de 70% ocorre progressivamente uma mudança predominante da utilização das gorduras para os carboidratos (POWERS & HOWLEY, 2000).
Com base nestes dados, muitos autores sugeriram que os lipídios utilizados durante o exercício de baixa intensidade e longa duração poderiam resultar, em longo prazo, numa redução considerável de gordura corporal (HOLLOSZY & COYLE, 1984; MCARDLE et al, 1991;BROOKS & MERCIER, 1994). Sugestões como estas deram origem á famosas teorias, uma delas propunha que para “queimar” gordura, o exercício aeróbio deveria ser continuo e durar no mínimo 30 minutos, pois a gordura só começa a ser metabolizada a partir do vigésimo minuto. Outra linha de raciocínio afirmava que a intensidade não deveria ultrapassar 60% da freqüência cardíaca máxima, pois assim o substrato utilizado seria somente o carboidrato.
Entretanto, os mecanismos fisiológicos do emagrecimento são muito mais complexos e não respondem de forma tão linear como propõe esta abordagem. Por exemplo, Schmidt et al. (2001) não encontraram diferenças significativas na perda de peso entre treinamentos aeróbicos de 30 minutos feitos de forma contínua ou divididos em três sessões de 10 minutos, pondo em questão a hipótese de que, para reduzir a gordura corporal, o exercício deva ser continuo e duradouro. Por outro lado, estudos longitudinais e transversais demonstram que indivíduos que realizam atividades intensas possuem menores quantidades de gordura, em comparação com praticantes de atividade de intensidades baixas (TREMBLAY et al., 1990). Posteriormente, estes resultados foram confirmados por um estudo que comparou os efeitos de dois protocolos de treinamento, contínuo e intervalado (TREMBLAY et al.,1994).
Tremblay et al. (1990) avaliaram a relação entre a intensidade da atividade física habitualmente realizada e a composição corporal de mais 2500 pessoas. Através de um questionário, os indivíduos foram divididos em quatro grupos de acordo com a intensidade das atividades realizadas: menores que 5 METs, entre 5 e 7 METs, entre 7 e 9 METs e maiores que 9 METs. Apesar de não haver diferença no gasto calórico entre os grupos, os resultados demonstraram que indivíduos habitualmente empenhados em atividades intensas possuem menor relação cintura-quadril e menor quantidade de gordura subcutânea.
A partir da análise dessas e de outras evidências científicas, vemos que a abordagem linear direcionada ao substrato utilizado durante os exercícios parece não ser a mais adequada para prescrição de atividades físicas com o objetivo de controle e perda de gordura corporal. Inclusive, não podemos esquecer que as gorduras utilizadas durante o exercício de baixa intensidade provem principalmente de ácidos graxos livres e triacilgliceróis intramusculares e não das reservas de gordura subcutânea (HOROWITZ & KLEIN, 2000).
O fato de pessoas que realizam atividades intensas apresentarem menor percentual de gordura, mesmo gastando menos energia e trabalhando em intensidade fora da zona de queima de gordura, demonstra que outros fatores, além do substrato utilizado e as calorias gastas, são determinantes para os resultados de um programa de emagrecimento, contrariando o modelo metabólico de emagrecimento.
Referências Bibliográficas
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MAUGHAN R, GLEESON M, GREENHAFF PL. Bioquímica do Exercício e do Treinamento. São Paulo: Manole 2000.
McARDLE WD, KATCH FI., KATCH VL. Fisiologia do Exercício: Energia, Nutrição e Desempenho Humano. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1991
POWERS SK, HOWLEY ET. Fisiologia do Exercício: Teoria e Aplicação ao Condicionamento e ao Desempenho. 3. ed. São Paulo: Manole, 2000.
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TREMBLAY A, SIMONEAU JA, BOUCHARD C. Impact of exercise intensity on body fatness and skeletal muscle metabolism. Metabolism. Vol.43 n.7 pp:814-8, 1994.
WILMORE, J.H. e COSTILL, D.L. Fisiologia do esporte e do exercício. 2ª ed. São Paulo – SP. Manole, 2001.
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